Parou por que, seu juiz?

Estrela e Esmeraldino disputam uma renhida final da segunda divisão, definindo qual dos times participaria do principal campeonato de futebol do Estado no ano seguinte. A torcida estrelense, inflamada, urra junto ao alambrado. Fica ainda mais indignada quando, subitamente, o árbitro interrompe um rápido contra-ataque da equipe local, que colocaria o centroavante Aipim na cara do gol. O apitador levanta os braços, se dirige à lateral do gramado e diz ao chefe do policiamento: - O senhor precisa tomar uma providência e prender quem está me caluniando. Ao perceber o olhar de espanto do policial, continua: - Não está ouvindo que estão me chamando de ladrão, dizendo que eu estou roubando do time deles? Isso é calúnia, exijo que se cumpra a lei. - Mas meu amigo, o estádio inteiro, quase 10 mil pessoas, está lhe chamando de ladrão. Quer que eu prenda todo mundo? Vai faltar camburão! A essa altura, um cidadão baixinho, de bermuda e sapato mocassim, já havia invadido o gramado: - Sou juiz da comarca regional e testemunhei. O árbitro tem razão! Esta partida não pode continuar. Vou impugná-la! - Ô careca, dá o fora, é proibida a entrada no campo de jogo de pessoas estranhas ao espetáculo - retruca o bandeirinha invocado, que já chegava para dar apoio ao árbitro. - Ah não, careca não! É injúria, o senhor se retrate ou lhe prendo! Sabe com quem está falando? De repente, aparece um zagueirão do Esmeralda do tamanho de um poste e largura de um contêiner de porto: - Vamô jogá, vamô jogá, isso aqui tá uma zona. Ô juiz - levanta a voz, dedo em riste na cara do árbitro - Seja homem e manda tirar todo mundo daí. Apita logo e recomeça essa pôrra! - Negão, sai daí! Quer ser expulso? - interrompe o capitão do Esmeralda, empurrando o companheiro de time para longe da confusão. - Como assim, Negão? Isso é racismo. Seu guarda, prende ele! - Para de viadagem, Negão, parece uma bicha. Todos nós te chamamos de Negão lá no Esmeralda! - consegue dizer o capitão, antes de ser surpreendido pelo colega de time, que parte para cima dele, aos berros, sendo contido por outros jogadores. - Racista e homofóbico, ainda por cima. Vou te processar! – esbraveja o Negão. - Nossa, gente, que é isso! Preconceito puro! - diz um rapaz de voz fina e feições delicadas, que ninguém sabia de onde havia vindo, mas também já estava no gramado junto a uma outra dezena de torcedores. Enquanto isso, o juiz da comarca dá voz de prisão ao badeirinha por "desacato à autoridade". Sem alternativas e sem o seu auxiliar, o árbitro dá por encerrada a partida. - Viu que "m" tu fez, seu descendente de uma profissional do sexo! - berra um torcedor, cara colada no alambrado, furioso, mas medindo as palavras para não ser levado ao xadrez também.

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