O dia que a cabeleireira fez uma criança chorar

Levei 46 anos pra entender o real significado do cabelo para uma mulher. Ou, pra ser mais claro, de um corte de cabelo que desagrada a uma mulher. Pois estava ela lá, a Manoela, em seus 9 anos, sentada na cadeira da cabeleireira. Chorava copiosamente, soluçava, e as lágrimas desciam velozes pelo seu belo e fino rostinho. Para a apresentação de Natal da escola, que encerrava um ano excelente, de apenas conceitos A no boletim, a Manô decidiu junto com a mãe que deveria cortar o lindo cabelo preto, que vinha preservando por esses anos todos com esmero e orgulho, sempre na altura das costas, abaixo dos ombros. Chegaram no salão e determinaram.
– Corta acima dos ombros.
Deram mais alguns detalhes de como desejavam, aqueles detalhes que só mesmo as mulheres para enumerá-los. O problema é que a mamãe Simone tinha um compromisso profissional e teve de deixar a Manoela por poucos minutos nas mãos da cabeleireira, enquanto o pai aqui não chegava do trabalho. Fiquei de passar lá para pegar a filhota no caminho de retorno para casa.
Ao entrar no salão, me deparei com a cena. Constrangida, a cabeleireira tentava me explicar que ela apenas fizera o que a Manoela havia pedido, mas que a pequena cliente não havia gostado do corte, pois o considerava curto demais. Tentei contemporizar, afirmando que "cabelo cresce", uma coisa meio óbvia e idiota, parece, para se dizer para uma criança de 9 anos que acabara de sofrer um trauma por perder algo que era sua marca registrada, o cabelo comprido que lhe valeu entre algumas pessoas o apelido de Pocachontas.
Deixei o salão com dó da cabeleireira, e a Manoela pela mão, tentando de todas as formas consolar a minha filha no caminho de três quadras até a nossa casa. Ela só repetia, entre soluços:
- Quero o meu cabelo de voltaaaaaa...Tá muito curto, pareço gente grandeeee!
Ao entrar em casa, jogou-se sobre a cama e decidiu que não iria à apresentação. Só foi convencida do contrário depois de falar por minutos com a mãe ao telefone.
Mas a tranquilidade começou a ser recuperada, definitivamente, depois que Manô chegou para a apresentação e acabou cercada pelas coleguinhas, que apesar de surpresas com a mudança radical de visual, elogiaram o corte. A apresentação ocorreu sem sobresslatos e Manô pôde, finalmente, voltar a sorrir.
Bem, quanto a cabeleireira...Simone chegou a telefonar no dia seguinte para tranqulizá-la. Ouviu uma frase de alívio de quem quase não dormira na noite anterior, culpando-se por ter feito uma criança chorar.

Comentários

Anônimo disse…
aaah.. um verdadeiro conto de fim de ano e eu me pego chorando no final do texto. Que bom que a Mano confiou é nas amigas e entendeu o quanto é linda com ou sem cabelo! Beijo pra ela. Sheila.

Postagens mais visitadas deste blog

O voo de Cília

É tempo de viajar

A Porto Alegre que me faz feliz