Sem direito de se omitir

"Nós não nos omitimos", disse um sereno João Carlos Bona Garcia diante da plateia, na sua maioria composta por jovens estudantes que lotavam o auditório da Faculdade de Comunicação da PUCRS, na noite de terça-feira. Estudantes que ainda nem eram nascidos quando Bona Garcia atuava como militante, apanhava e era torturado nos porões escuros da ditadura. E que só conheceram o golpe militar e as consequências do terror que se sucedeu no Brasil, por meio de leituras e documentos. Ou pelos relatos de quem viveu aqueles 21 anos terríveis, caso deste passofundense, economista, advogado e ex-juiz do Tribunal Militar (sim, acreditem), que literalmente sentiu na pele os horrores de um regime imposto à força pelos militares. Nasci em 1964, e cresci alienado. Quase nada conversávamos em casa sobre o golpe e os governos militares. Talvez tenha sido a forma encontrada por meus pais para proteger seus 4 filhos, afinal, vivíamos sob um regime de terror. Quanto menos soubéssemos, melhor. E o governo se encarregava de fazer a sua parte nas escolas, exaltando os presidentes militares e executando a devida lavagem cerebral nos alunos. Lembro das aulas de Moral e Cívica, de marchar uniformizado com meus colegas em todo o 7 de setembro, e de saudar autoridades militares no palanque. Lembro do lema "Brasil, Ame-o ou Deixe-o", que soa absurdo para mim hoje. Os jovens do século 21 não têm o direito de se omitir. Vivem em uma democracia, ainda imperfeita,mas uma democracia. Podem acessar informações, ler livros não censurados. Até os meios de comunicação são livres, embora muitos não usufruam desta liberdade como deveriam. Os jovens, atualmente, se reúnem em grupos, sentam em local público e conversam, trocam ideias que mudam uma rua, um bairro, uma cidade, um país. Podem ir onde desejarem, protestar e voltar para casa sem serem jogados em um camburão para nunca mais darem notícias. Tudo que foi sonegado por mais de duas décadas a jovens como Bona Garcia e a cidadãos brasileiros daquela geração. Os jovens do século 21 têm o dever de se indignar. Só que, ao contrário de Bona Garcia e de muitos como ele, não precisam pegar em armas. Mais um ponto para a democracia. Podem corrigir injustiças, dar recado àqueles que os governam, votando. Muitos brasileiros, nas décadas de 60 e 70, tombaram lutando por isso. A geração atual pode, como bem disse o ex-preso político no auditório da Famecos, viver suas utopias, e torná-las reais. Assim como ele fez. Quem vive sem uma? O livro – Bona Garcia deu seu depoimento durante a cerimônia de lançamento do livro "Histórias para Lembrar, relatos sobre a ditadura de 1964", elaborado por 18 estudantes de jornalismo da Famecos, orientados pelos professores Alexandre Elmi e Vitor Necchi. Uma bela obra, tanto graficamente quanto no conteúdo. E, o que é mais importante, trata-se de um livro impresso, um ato significativo em plena era virtual e de documentos digitais, quando se "acusa" os jovens de não quererem saber de ler e só se interessarem por internet. Ganhará um lugar especial na prateleira lá de casa. Um lugar para não esquecê-lo.

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