Os caminhos que segui

Posso me considerar um privilegiado. Trabalhei durante duas décadas na Zero Hora como jornalista esportivo, o principal jornal do RS e no qual muito poucos conseguem entrar, tal a concorrência no mercado. Além disso, peguei aquele que tenha sido, talvez, o que considero como "o último suspiro do moribundo" dentro das coberturas que se fazia naquele jornal. Em 1994, participei de minha primeira grande viagem internacional, ao ser enviado para acompanhar o Campeonato Mundial de Basquete Masculino em Toronto e Hamilton, no Canadá. Sim, você não leu mal. Fui enviado especial, com despesas pagas pelo jornal (pasmem), para aquela que foi até hoje, em 45 anos de ZH, a única vez que o jornal se dispôs a cobrir um campeonato mundial de basquete fora do País. Provavelmente nunca mais o fará. Mas os tempos eram outros, a mentalidade era outra, naquela época o jornal era dirigido pelo Augusto Nunes (que rezo para que não seja meu chefe nunca mais na vida, mas ao menos pensava grande, com ousadia, e como jornalista, não tanto como um executivo burocrata), havia espaço maior para matéria e não tanto para opinião.
Outra prova de que fui um profissional de sorte (dizem que a sorte acompanha os bons, os competentes, não é?) ao longo da minha carreira na redação? Posso dizer com orgulho que sou até hoje o único setorista de basquete da história de ZH que acompanhou um time gaúcho campeão brasileiro. Foi também em 1994, com a Pitt/Corinthians, de Santa Cruz do Sul. Era eu o repórter responsável pela cobertura do basquete do jornal na época. Viajei muito pelo Brasil com o Corinthians e com a Sogipa, outro time gaúcho que rivalizava com o time de Santa Cruz, e até pela América do Sul, como quando cobri a Copa América de Clubes em Lima, no Peru. Convivi com ídolos e nomes da história deste esporte no País, como Oscar Schmidt e Ary Vidal, com quem muito aprendi. E os inesquecíveis jogos em Santa Cruz do Sul, com ginásio lotado, que anos depois passaram a ser cobertos apenas pelo correspondente local e depois, nem mais pelo correspondente, já que o Corinthians quase quebrou e abandonou o basquete? Estive também em Neuquén e Tucumán, na Argentina, além de Buenos Aires, e em Montevidéu, no Uruguai, nesta cidade mais de uma vez.
Era eu também o repórter de automobilismo na época que o mundo viu correr o maior piloto de Fórmula-1 que o Brasil já produziu, Ayrton Senna da Silva. Pude assistir ao vivo em São Paulo, como enviado especial, e pela TV, algumas das mais espetaculares performances deste piloto excepcional (para São Paulo, a ZH mandava e continua mandando até hoje, embora agora os pilotos brasileiros não passem de coadjuvantes, para azar do atual setorista). Está certo que era eu também o repórter de automobilismo quando o Ayrton nos deixou para sempre ao dar com sua Williams no muro em Ímola, um dos fatos mais tristes de minha carreira, que afinal, não foi feita apenas de alegrias, embora tenha sido a maior parte constituída por elas.
Cobrindo o automobilismo, ainda viajei ao Exterior, a convite de patrocinadores, claro, para asssitir a uma prova de Fórmula-Indy em Miami, a treinos da equipe Marlboro em Phoenix, no Arizona, a uma prova de F-Indy no Rio.
Como repórter de surfe, fui convidado a Porto de Galinhas (duas vezes), Cabo de Santo Agostinho, Guarujá. A convite, estive também em Sanxenxo e Vigo, na Espanha, e em Porto, Portugal, na largada da Volvo Ocean Race, em 2005; em Atlanta, antes da Olimpíada de 1996; e na Cidade do México, capital que pude desfrutar também enviado por ZH, quando o Grêmio enfrentou o Pumas, pela Libertadores.
Foi igualmente acompanhando o Grêmio nesta competição sul-americana que estive em Santa Cruz de La Sierra, e de lá parti para o Interior da Bolívia, onde fiz uma das matérias que mais me deu satisfação até hoje: a entrevista com líderes do Movimento Sem-Terra boliviano, que me contaram histórias incríveis, e de como eram obrigados a dormir uma noite em local diferente para não serem encontrados por quem os perseguia e prometera matá-los.
Por que relato tudo isso? Não por esnobação ou para me exibir. Apenas para constatar que, hoje, este tipo de cobertura quase não se vê em jornais impressos, ao menos na ZH de agora. Sumiram até os patrocinadores que antes pagavam viagens incríveis à Europa, Estados Unidos, nordeste brasileiro, ou mesmo para campeonatos de surfe em SP e outros lugares bons de se trabalhar, mas também ótimos pra se divertir. E as viagens que o jornal banca hoje, geralmente, são pra suas "grifes" em eventos que sempre bancaram, como Jogos Olímpicos e Copas do Mundo. Quando se vai para algum lugar diferente, geralmente quem o faz é um repórter da Rádio Gaúcha, que acaba também escrevendo pro jornal. Meus ex-colegas saem cada vez menos da redação. E não se faz bom jornalismo sem ir a campo, escravo da TV, rádio, Internet e telefone.
Mas com tudo isso faço também uma autocrítica: acho que deixei de aproveitar melhor, como deveria, algumas dessas oportunidades que tive. De certa forma, eram uma forma de reconhecimento ao meu trabalho, embora eu sempre prefira que este reconhecimento venha em forma de valorização financeira, não em viagens que eles consideram "prêmios".
Prova de que, ao menos profissionalmente, o destino sempre me foi generoso. Hoje, mudei de ares, e passei da redação de jornal pra assessoria de comunicação de uma das mais importantes entidades empresariais do Estado, local também especial para o jornalista que gosta de desafios. Sou mesmo um privilegiado neste aspecto. Um cara de sorte. Mas a sorte acompanha os bons, não é mesmo?

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