No banho com a Soninha

Responda (não precisa ser rápido, dou uns minutinhos pra pensar...): você seria capaz de tomar banho junto com uma amiga apenas para esfregar-lhe as costas, como irmãos? E você, mulher, dividiria o box com aquele amigo bem próximo para somente passar-lhe shampoo? Pois o José fez isso com a Soninha, e admitiu para a turma, naquela noite, na mesa do bar:

– Ah, para, tu tá nos tirando, né? – foi o que ouviu dos amigos, que riram da sua cara.

– É sério, vocês não acreditam?

José e Soninha se conheciam há 5 anos, desde que ela entrou na firma e passou a trabalhar nos Recursos Humanos junto com ele. A afinidade foi imediata, já que tinham algumas coisas em comum: se formaram em Administração na mesma universidade, embora em anos diferentes, gostavam de jazz, torciam pro mesmo time, liam Agatha Christie e adoravam licor de chocolate. Até se criaram meio próximos, em duas cidades do Interior separadas apenas por 55 quilômetros, e frequentaram algumas das mesmas festas na região

– De repente, até já "ficamos" e nem lembramos – disse José, brincando, na primeira vez que conversaram, no terceiro dia dela na firma.

Soninha gostou do colega espirituoso. Não percebeu naquilo uma cantada, e nem foi essa a intenção de José. Logo se aproximaram. Passaram a sair para jantar, dançar, ir ao cinema, tomar chimarrão no parque. Trocavam telefonemas, ela desabafava com ele, e ele, com ela. Só se afastavam um pouco, nesses 5 anos, quando ele ou ela arranjava namorada (o). Mesmo assim, não deixavam de se ligar quase toda a noite, para insatisfação dos parceiros mais ciumentos. Apesar de se verem durante o dia no trabalho, não tinham muito tempo para conversar durante o expediente, a não ser em pequenos intervalos no café. Mas no fim, nenhum dos namoros deles acabava durando muito tempo mesmo e voltavam a se reaproximar.
Soninha não era nenhuma Catherine Zeta-Jones, mas, de estatura média, olhos azuis redondos e inquietos, cabelos pretos e lisos, estava longe de ser desprezível. Era até apelidada discretamente, entre os colegas da empresa – o que não agradava muito a José –, de "Ford Ka": o design não é essas coisas, o tamanho não atrapalha, é confortável para se dirigir e você acaba gostando. E tinha uma virtude: era atleta, malhava e corria.
Foi ela, inclusive, quem convenceu José, barriga proeminente, altura padrão, cerca de 1m80cm, cabelo loiro e ralo, olhos castanhos e sorriso disponível, a deixar a vida sedentária. Logo, ele tomou gosto pelo exercício físico e passou a correr ao lado de Soninha após o trabalho.
E foi em uma dessas vezes, após terminarem o exercício em um final de tarde modorrenta, que José jura ter somente "tomado um banho" com a amiga. Como sempre faziam, terminaram de correr e foram até o apartamento dela, que ficava mais próximo do parque. Imediatamente, Soninha foi até o banheiro, para se "livrar da roupa encharcada" e tomar um banho antes de saírem para jantar. José ficou na sala, e já ia colocando aquele CD que sempre gostavam de escutar juntos, quando Soninha pôs a cabeça para fora da porta do banheiro:
– Zé, entra junto aqui. Assim tu toma banho logo comigo e a gente ganha tempo, nem precisa ir até a tua casa.
Foi a primeira vez, em cinco anos, assegura José, que ele viu Soninha nua. E gostou do que viu. Até sentiu uma "pequena atração, quase tentação", como confessaria dias depois para os amigos. Mas, respeitador do jeito que é , e em nome da amizade, se manteve concentrado, apenas, em esfregar as costas da amiga, para ele "quase uma irmã". Uma irmã bem bonitinha, mas ainda assim, irmã. Melhor não arriscar para não correr o risco de perder alguém que ele tanto prezava.
– É sério, vocês não acreditam? – repetiu ele aos amigos, que continuaram a duvidar. Tanto não acreditaram na história que se levantaram, os sete, e largaram José falando sozinho no bar.
– Nada vale mais do que uma amizade – comentou José para a mesa vazia, antes de esvaziar o copo e sair em direção à porta.